Eduardo Côrte-Real (Portugal)
Março 2009
Projecto
Diários Gráficos, Perspicácia e Neutralidade no Desenho Quotidiano
Na dedicatória que escreveu no exemplar que me ofereceu do seu livro “Desenhos de Viagem”, Daciano da Costa escreveu:
“Como passagem de testemunho, para que conste.”
Desde esse tempo que a ideia de publicar este livro tem germinado.
Uma das ideias centrais que Daciano da Costa me transmitiu foi a da perspicácia no desenho. O desenhador perspicaz está dentro dos acontecimentos, dos espaços e é ao mesmo tempo actor e espectador pela simples razão que é eticamente compelido a transformar o mundo.
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No decurso de um projecto de investigação que indagava precisamente o papel do Desenho na constituição da comunidade dos que pela primeira vez se intitularam designers em Portugal, fui convidado a participar num evento chamado “Espaços do Desenho” que se estende de Outubro de 2008 a Setembro de 2009 no Centro Cultural da Fábrica de Braço de Prata em Lisboa organizado por Teresa Carneiro e Luís Filipe Gomes com uma mostra dos meus diários gráficos. A ideia de juntar o desenvolvimento daquela investigação aos meus próprios desenhos pareceu irrecusável, alargando assim o âmbito da investigação a este tipo de registos gráficos directamente descendentes do apostolado de Frederico George e Daciano da Costa.
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O livro procura dar a conhecer uma parcela pequena de desenhos feitos em viagem enquanto a exposição abarca também desenhos domésticos. Embora existam em quase igual número, poderão talvez os de viagem ser mais sugestivos da referida perspicácia uma vez que na maior parte das vezes se tratam de cenas que se vêm pela primeira vez.
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Procuro fazer desenhos que desapareçam enquanto desenhos em favor daquilo que estou a desenhar.
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O sítio e o facto de estar lá são o importante. A semelhança com o sítio é o prémio. O sítio é “coisas que são” e só se for bem imitado poderá para quem o ver ser “coisa que um outro diz que é”.
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Este apagamento corresponde também a estar completamente ligado ao que se está a desenhar. Todos os sentidos devem estar envolvidos. Não aconselho que se crie uma “banda sonora” ouvindo música sobretudo com aqueles aparelhos que fazem os sons entrar directamente no cérebro através de auriculares. A banda sonora deve ser a própria “música” do que acontece sejam o roncar de um vaporetto ou as vozes de raparigas a dançar na Piazzeta.
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Aqueles que procuram desculpas para não desenharem (muitas vezes os meus alunos) referem a possibilidade das “outras” pessoas perceberem que estão a ser desenhadas ou mesmo simplesmente que percebam que o desenhador está a desenhar. Com quase toda a certeza posso dizer que raramente as pessoas pensam que uma pessoa com um caderno desenha (também por isso é bom usar instrumentos discretos que normalmente se usam para escrever). Também, a enorme maioria das pessoas que percebem que se está a desenhar não interpelam o desenhador e quando o fazem são simpáticas e até dão conselhos. Em Veneza uma senhora alemã aconselho-me a usar uma ponta de prata, passados dias em Vicenza, outra senhora aconselhou-me a usar um pastel de óleo. Ambas achavam que aqueles materiais tão diversos iriam melhorar os meus desenhos. Hoje sei que melhorariam os desenhos mas iriam estragar os sítios.
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O menos importante é sem dúvida o desenho que se vai desenvolvendo no papel. Se este fosse o mais importante, a viagem estaria perdida e o seu prazer estragado.
(Eduardo Côrte-Real, extractos do Livro The Smooth Guide to Travel Drawing, Um Suave Guia para o Desenho em Viagem)
CV
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