Paulo Freire de Almeida
Lição de Desenho
Olhar em Frente - Hipóteses para a actualidade da observação na prática do desenho
O desenho de observação tem sido uma das práticas mais comuns na tradição académica ocidental. Todavia, a sua importância e significado remete a ‘observação’ para um nível subsidiário da representação, da cópia e das heranças figurativas legadas pela tradição visual. Por vezes, e de modo indiferenciado, aplicam-se as expressões ‘desenho de observação’, ‘desenho de representação’ ou ‘desenho do natural’ e, em línguas estrangeiras, drawing from life, disegno dall’ vero. Como fonte de representações, a prática de observação vê-se actualmente ultrapassada por meios mais imediatos e seguros, designadamente todo o arquivo de imagens digitais e disponíveis na Internet. A facilidade no acesso a diversos tipos de representações e imagens dispensa o lento processo de observação.
Porém, enquanto o ‘desenho de representação’, ou ‘o desenho do natural’ imprime a sua ênfase na natureza física do mundo exterior, a expressão ‘desenho de observação’ incide sobre o processo individual de percepção do mundo, dependente das condições fisiológicas, da subjectividade e do próprio estado psicológico simultâneo ao registo das imagens.
A valorização dos dados de observação tende a produzir conflito com a presença sólida e tangível dos objectos, conduzindo à desmaterialização e à própria abstracção dos seus limites em campos de luz e sombra. Ou seja, paradoxalmente, o ‘desenho de observação’ conduz a uma subversão das representações canónicas e põe em causa o universo figurativo de cada cultura.
Esboça-se assim uma hipótese segundo a qual, a primeira finalidade do desenho de observação não é o conhecimento do mundo, mas o auto conhecimento. Consequentemente, o desenho de observação será o meio para desmontar as figuras e as representações colectivas que cada sujeito recebe da cultura, aprofundando o seu processo subjectivo de reconfiguração do mundo.
CV
Nasceu no Rio de Janeiro em 1968. Finalizou o curso de pintura na Escola de Belas Artes do Porto em 1994. Dedicou-se à pintura até 1998. Desde então participou em diversas exposições colectivas com trabalhos na área da fotografia e imagem digital. Complementarmente, tem publicado textos sobre o desenho e sobre critica de arte, especialmente na revista PSIAX, editada pela EAUM, FAUP e FBAUP. Lecciona desenho na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho, em Guimarães desde 1997, onde se doutorou em 2008.
Na investigação académica dedicou-se às diversas aplicações do desenho como instrumento projectual, designadamente na arquitectura. Desde 2005, e na sua investigação de doutoramento, tem aprofundado as condições da observação e percepção no processo gráfico, sublinhando a condição crítica e divergente entre a observação subjectiva e a representação educada das formas.