Paulo Almeida
Novembro 2008
Actos fingidos: aspectos da dimensão performativa do desenho
Este estudo pretende explorar uma ideia simples: que os processos do desenho são frequentemente determinados por transferências de uso com outros domínios performativos. Por 'transferência de uso' quero referir os mecanismos criativos e cognitivos mediante os quais o desenho empresta ou adopta padrões de outros processos, substituindo-os nos seus próprios meios e suportes.
Estes mecanismos são fenómenos comuns na interacção quotidiana. As suas manifestações são talvez mais evidentes no recurso aos gestos icónicos — gestos que se baseiam numa semelhança formal com aquilo a que se referem ou na imitação de um procedimento (McNeill, 1992). Estão, de certo modo, implicados com o que George Lakoff e Mark Johnson se referiram prosaicamente como "metáforas na vida quotidiana" (metaphors we live by). O gesto de [embalar] como celebração por um golo marcado no futebol; o gesto que simula o acto de [recortar] para induzir o fim de uma conversa; ou a mera possibilidade de fazer o nó de uma gravata para asfixiar alguém — são exemplos da apreensão das marcas contextuais de um acto e do seu redireccionamento para outro campo performativo. No entanto, os gestos nestes casos são apenas a parte manifesta de um processo performativo mais amplo e ramificado.
Ainda que simples, esta ideia é fundamental em dois aspectos.
Em primeiro lugar permite-nos compreender o interesse exponencial no uso do desenho em contextos performativos1. E esta é a principal hipótese que aqui se pretende expor: num contexto performativo, o desenho torna-se um acto fingido — um acto gerado por substituição de outro acto que não se quer ou não se pode efectivamente realizar.
Em segundo lugar, esta ideia põe em evidência que a dimensão performativa do desenho ultrapassa largamente, integrando-o, o espaço disciplinar da performance, e faz parte de um sistema conceptual que filtra certas propriedades do real através dos actos que se realizam para o compreender.
CV
Paulo Luís Almeida é docente do grupo do desenho na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. É Doutorando na Facultad de Bellas Artes de la Universidad del País Vasco, Bilbao e bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, ao abrigo do Programa POCI 2010 e FSE. Em 2002 obteve o grau de Estudos Avanzados – grau de Suficiencia Investigadora – pela Facultad de Bellas Artes de la Universidad del País Vasco. Algumas actividades já realizadas: exposição “Sinonímia: Desenho, pintura e vídeo” na galeria CUBIC – arte contemporânea, Lisboa (2005); co-organização e comissariado da exposição “100 Desenhos: fricção, impressão, diluição” nos Maus hábitos, Porto, e no Convento de Corpus Christi, V.N.Gaia (2005); Comissariado do ciclo de exposições CUBIC – arte contemporânea, na CUBIC, Lisboa (2004); Organização e comissariado do projecto Espaços em Branco (uma plataforma de divulgação com o objectivo de confrontar a imagem-vídeo com o espaço público, através da projecção em janelas) na CUBIC arte contemporânea, Lisboa (2004).
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