Ana Leonor Madeira Rodrigues
Maio 2009
O Desenhador desenha-se
“...ao fazer um desenho, a minha identidade contida na maneira dos meus gestos, está impressa em cada traço e em cada mancha. Ao usar o verbo de forma reflexa, desenhar-se, pretendo impor directamente esta ideia de identidade contida no acto de desenhar.
Digo de mim, em desenhos, porque posso querer fazê-lo – acto consciente – mas desenho-me sempre, tanto quanto essa acção tem como resultado final um objecto que é o seu vestígio – acto com características mais vegetativas do que subconscientes. Esta diferença que me distingue de todos os outros refere ao carácter único e irrepetível que é cada entidade viva, e deste modo cada pessoa, tanto quanto são únicas as minhas características, mesmo a um nível microscópico, e única a minha identidade genética. Assim será toda a acção que a criatura, por hipótese eu, vier a fazer.
O objecto desenho, não existe anterior a nós, ele é um resultado quer da nossa relação espacial e fenomenal com o mundo, quer um resultado directo da nossa vontade e capacidade de acção, neste caso do desenhar.(...)
(...) A identificação das características próprias do traçar de cada autor, da linha ou grafismos simples que cada um fará, e que pode ser definida por adjectivos diferentes com maior ou menor cor, só demonstra que cada pessoa risca de um modo que a define, e que é apenas seu, e esta constatação é tão verdadeira quanto e a de que, cada pessoa tem uma letra e uma assinatura que a identifica tal impressão digital.
A quase organicidade do desenhar, neste sentido de vestígio de nós mesmos, é um dos aspectos fundamentais para entender a sua importância como método de investigação e registo do mundo que nos envolve, bem como de nós próprios, tanto quanto permite estabelecer uma relação directa entre a coisa a perceber, a percepção e o registo de como foi percebido. Um registo que não só faz sentido para nós próprios, como é também imediatamente compreensível por quem olhar o desenho.”
Rodrigues, Ana Leonor Madeira, Desenho, ed. Quimera, 2003
CV
Ana Leonor M. Madeira Rodrigues é uma artista e investigadora interessada nos processos cognitivos do acto de desenhar e na sua especificidade como modo de comunicação não verbal.
Ana L. M. Rodrigues é licenciada em Artes Plásticas. Durante um semestre, frequentou as aulas práticas de Anatomia, no hospital do Campo Santana (que resultaram na sua primeira exposição de desenho). Em 1984/85, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian frequentou a Akademie der Bildenden Kunst, em Munique. Entre 1989 e 1992 viveu em Berlim, onde realizou uma especialização em Estudos Culturais e Técnicas de Comunicação Estética e Artística, na Hochschule der Kunst TU (1996). Ana L. M. Rodrigues tem um doutoramento em Arquitectura (Comunicação Visual) e trabalha como Professora Associada na FA-UTL.
Ana L. M. Rodrigues publicou os seguintes livros O Desenho, Ordem do Pensamento Arquitectónico, Editora Estampa, Lisboa, 2000; O Desenho, Editora Quimera, Lisboa, 2003; Queimado Por Azul, Editora Assírio e Alvim, Lisboa, 2006 e Ensaios nas Margens do Futuro, Sentidos e Significações, uma colectânea da Editora Estampa, Lisboa, 2007.
Algumas das suas exposições individuais mais significantes foram: Desenhos, na Casa da Cerca, em Almada (1998); Der BBB Effect (vídeo e instalação), na Galeria Fruchtig, em Frankfurt (1998); The BBB Effect, uma performance e participação na conferência Real Culture, Reproduction(s)and Rip-Offs, Kansas State University, USA; The BBB effect, more theories on a Pseudo Science, performance e participação na conferência para o Festival Postmodern Piracy, Ohio – Kent State University; Entropia, uma instalação no antigo laboratório de química da Escola Politécnica – Museu de Ciência, em Lisboa (1999); Ai Flores do Verde Pinho, Museu e Jardim Botânico de Lisboa (2001); O efeito BBB Revisitado (desenhos e vídeo), Galeria Diferença, em Lisboa (2002); Documentos Sobre um Caso Tipo, Galeria Assírio & Alvim, em Lisboa (2004); Perder-se de amores…, na Galeria Monumental, em Lisboa (2005); Actos Compulsivos da Comunicação entre Bactérias e Humanos, na Biblioteca da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova.
Participou em várias exposições colectivas como Not to…, em Lisboa (1999); O Efeito BBB, emLisboa (2000); Passos 2000, com a instalação e vídeo Sweet Sixteen, em Lisboa (2002); Freemanifesta, distribuição de 700 auto-colantes alusivos ao “efeito BBB”, em Frankfurt (2002); Drawing, - The Process, Kingston University, UK (2003); 10 anos de Desenho e O Desenho Dito, ambas na Casa da Cerca, em Almada (2008).
Em 1999, participou num projecto de pintura no muro de Berlim, organizado pela “East Side Gallery”, que será restaurado este ano, em Junho.